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Drogas, Prevenção e Recuperação

 

Autor: Carlos Alberfo Di Franco, diretor do Master em Jornalismo para Editores e professor de Ética Jornalística, e representante da Faculdade de Comunicação da Universidade de Navarra na Brasil e-mail: difranco@dialdata.com.br - 06/05/99; Fonte: Gazeta do Povo

 

 

Cabeça baixa, olhos cravados no chão, coração "encharcado de dor. "Será que Deus ainda olha para mim?" Paira no ar uma tristeza densa, que se pode cortar. A falência da auto-estima e o sentimento de culpa, à semelhança de uma laje de chumbo, esmagam a alma.

A cena, dura e forte, retrata o "day after" de um adicto da cocaína. O drama do meu jovem interlocutor, tragicamente rotineiro no frio anonimato da cidade sem alma, não é um recurso ficcional. É real. Tem nome e sobrenome, obviamente preservados por razões éticas elementares. Recupera-se, agora, numa comunidade terapêutica, o Horto de Deus, em Taquaritinga, no interior de São Paulo. Seus olhos recobraram o brilho da esperança. Sua história, à semelhança da trajetória de milhares de jovens, merece ser registrada.

Não se faz jornalismo, nem mesmo matéria de opinião, fechado entre as quatro paredes de uma redação ou circunscrito ao rarefeito ambiente de um laboratório acadêmico. É preciso ver, ouvir, apurar, sentir, refletir e, só então, escrever. Nada supera o realismo da reportagem. Com esse espírito, movido pela solidariedade e pelo dever de obter informação verdadeira, fui atrás de literatura especializada, de fontes confiáveis e, sobretudo, de experiências bem-sucedidas na prevenção e recuperação de adictos.

Tenho acompanhado o excelente trabalho realizado por alguns serviços especializados. O Grea (setor vinculado ao Departamento de Psiquiatria da USP) e o Proade (unidade da Faculdade Paulista de Medicina), por exemplo, desenvolvem importantes esforços na luta contra as drogas. Mas o que mais me chamou a atenção foi o trabalho promovido pelos grupos de Narcóticos Anônimos (NA) e Amor-Exigente e a estratégia adotada pelas comunidades terapêuticas. Sem uso de medicamentos e apostando num conjunto de providências que vão às causas profundas da dependência, essas comunidades têm obtido surpreendente índice de reabilitação. Segundo Leo de Olivéira, coordenador da Comunidade Terapêutica Horto de Deus, o programa tem apresentado índices de recuperação entre cinqüenta e sessenta porcento.

Recentemente, visitei o Horto de Deus. Fiquei vivamente impressionado com o que vi e ouvi. Trata-se de um pequeno sítio, sem muros e sem grades. Os internos, cerca de quarenta e cinco , estão lá voluntariamente. Aliás, o desejo explícito de deixar as drogas é um pré-requisito para ingressar na comunidade terapêutica. As internações compulsórias, em clínicas caras e sofisticadas, freqüentemente acabam na amargura da recaída. Falta o essencial: querer. Os pavilhões são simples, limpos e arejados. Sente-se no ar uma alegria que contrasta com a história pregressa dos seus moradores. Lá, depois de terem descido todos os degraus da miséria material e moral, reencontraram a chispa da esperança. Vida saudável; laborterapia, disciplina, resgate dos valores e da espiritualidade e terapia individual e de grupo compõem a receita da instituição. O tratamento, inspirado nos ensinamentos do padre Haroldo J. Rahm, S. J., presidente nacional do AmorExigente e respeitadas autoridades mundial na luta antidrogas, é uma das iniciativas mais sérias no trabalho de prevenção e recuperação de adictos.

Reuni-me com dezesseis internos. A conversa, franca e direta, foi ao cerne do problema, desfez inúmeros equívocos e me transmitiu a sinceridade cortante daqueles que conheceram o fundo do poço. Ao contrário, por exemplo, dos que proclamam o caráter inofensivo da maconha, quinze dos dezesseis entrevistados afirmaram que o primeiro baseado foi o passaporte para as drogas pesadas. São unânimes na crítica a discriminação da maconha. "No começo eu tinha receio da droga. A maconha tira o medo. Depois, o organismo pede coisas mais fortes", comentou S. M., 17 anos; filho de um empresário. Vários deles foram influenciados pela tolerância e pelo apoio ao consumo que transparecem em entrevistas de artistas, letras de algumas bandas de rock e matérias de comportamento. "Os artistas e as bandas influenciam muito. Dão empolgação, transmitem um clima de sucesso", afirmou E. C. C., filha de um médico.

A família é uma âncora fundamental. Surpreendentemente, não querem um apoio concessivo. Esperam carinho, mas aspiram por firmeza. "Precisamos de limites", sublinhou M. A recuperação do adicto reclama, necessariamente, a reabilitação da própria família. Traumatizados e desorientados com o drama dos seus filhos, os familiares podem encontrar apoio e orientação nos grupos de AmorExigente e Nar-Anon espalhados pelos quatro cantos do Brasil.

A recente nomeação do juiz paulista Walter Fanganiello Maierovitch para dirigir a recém-criada Secretaria Nacional Antidrogas é bem-vinda e demonstra a preocupação do governo com a escalada das drogas. Conheço a seriedade do titular da nova secretaria. Por isso, tenho a convicção de que, numa operação conjunta com o Ministério da Saúde, fugirá das amarras dos esquemas burocráticos e saberá encontrar caminhos ágeis (convênios, acordos, etc.) para apoiar as instituições idôneas que trabalham na prevenção e recuperação de adictos.

O perfil da nova secretaria, definido como um órgão de` coordenação, não tem, felizmente os traços de um clone estatizante, de uma nova Drogabrás da vida. A dependência química já não é uma ameaça distante. A juventude, caro leitor, está morrendo. Do nosso lado. Chegou a hora da prevenção e da recuperação.